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Comunicabilidade de dívidas durante o casamento ou união estável

O advento da pandemia causada pelo Coronavírus trouxe uma realidade extremamente desfavorável à economia familiar. Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), “o número de famílias com dívidas em cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, empréstimo pessoal, prestação de carro e seguro alcançou a marca de 66,6% no mês de abril”[1].

A divisão dessas dívidas é uma das grandes dúvidas do casal no momento do divórcio ou dissolução da união estável.

O Código Civil estabelece algumas regras nesse sentido, permitindo, por exemplo, que os cônjuges podem, independentemente da autorização do outro, comprar coisas necessárias à economia doméstica, ainda que a crédito, assim como obter empréstimos com a mesma finalidade, obrigando solidariamente os cônjuges (CC, arts. 1.643 e 1.644). Trata-se de uma presunção legal de consentimento do outro consorte.

Também estabelece que nos regimes em que há patrimônio comum, por exemplo, no da comunhão parcial de bens, ambos podem exercer a administração desses bens, e as dívidas contraídas no exercício da gestão obrigam os bens comuns (aqueles que pertencem a ambos em decorrência do regime de casamento ou união estável e se comunicam) e os particulares (bens pertencentes exclusivamente a um dos consortes e que não se comunicam) de quem administra e os do outro na razão do proveito que houver auferido (CC, art. 1.663, § 1º).

Os bens comuns do casal respondem por todas as obrigações contraídas por qualquer um deles, desde que para atender aos encargos da família e às despesas da administração dos bens comuns.

Cuida-se, assim, de presunção juris tantum de que as dívidas contraídas por um dos consortes, em regra, visam ao interesse familiar, beneficiando não apenas o devedor, mas toda a família e, havendo discordância no momento do divórcio ou dissolução da união estável em partilhar essa dívida, caberá ao outro a prova de que os recursos levantados serviram exclusivamente aos interesses de quem os contratou.

Trata-se de uma interpretação por analogia à presunção de colaboração conjunta em relação à aquisição onerosa de bens, ou seja, se há presunção de que na aquisição de bens durante o casamento há esforço comum. Também haverá na contração de dívidas individualmente por qualquer dos cônjuges ou companheiros, independentemente de anuência expressa do outro, havendo, assim, uma presunção natural que todo proveito financeiro beneficia o casal.

Em recente julgamento, a 29ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu decisão no sentido de que, em caso de dívida contraída na constância do casamento, mesmo sem anuência do outro cônjuge, mas que os beneficia, haverá responsabilidade de ambos[2]. No caso recepcionado pela Corte de São Paulo, o autor, pai e sogro, havia realizado empréstimo ao filho e à nora, casados no regime da comunhão parcial, para que adquirissem um imóvel.

Em que pese o caso julgado ter tratado do regime da comunhão parcial, o mesmo entendimento pode ser aplicado em regimes diferentes.

No regime da comunhão universal, apesar da presunção quase absoluta de comunhão de bens (e dívidas), o inciso III do artigo 1.668 do Código traz uma exceção, em que serão excluídas da comunhão as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum. Veja que, a contrario sensu, só haverá comunicabilidade de dívida anterior ao casamento se o outro cônjuge dela se beneficiou.

No regime de separação de bens também é possível determinar a comunicabilidade ou não das dívidas. Segundo o artigo 1.688 do Código Civil, ambos os cônjuges são obrigados em relação às dívidas do lar, na proporção dos rendimentos de seu trabalho e de seus bens. No regime da separação de bens há uma oscilação na jurisprudência quanto à presunção que existe, por exemplo, no regime da comunhão parcial de bens, havendo entendimentos no sentido de que haveria uma inversão de ônus probatório, pois enquanto no regime em que há patrimônio comum o cônjuge que não contraiu a dívida tem que provar que não o foi em benefício da família, no regime da separação de bens seria o cônjuge que contraiu o empréstimo que teria que fazer a prova de que beneficiou a família. Entretanto, também há julgados no sentido de que a presunção existe independentemente do regime e será sempre do cônjuge que não contraiu o empréstimo a prova de que não houve benefício da família.

Sendo assim, cada caso deverá ser avaliado, a fim de verificar a origem de cada dívida e sua comunicabilidade ou não.

Por fim, cabe pontuar que essas questões podem ser dirimidas em pacto antenupcial, evitando-se discussões no momento do divórcio ou dissolução da união estável.


[1]https://valorinveste.globo.com/mercados/brasil-e-politica/noticia/2020/04/14/numero-de-endividados-bate-novo-recorde-em-abril-apos-pandemia-diz-cnc.ghtml 

[2] (TJSP; Apelação Cível 1055161-42.2018.8.26.0100; Relator (a): Andrade Neto; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 29ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/04/2020; Data de Registro: 16/04/2020) 

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